OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


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quinta-feira, 23 de junho de 2022

AFORISMOS SAGRADOS (PARTE FINAL)

"4. Evitar todo o mal, procurar o bem, conservar a mente 
pura: eis a essência do ensinamento de Buda.

A tolerância é a mais difícil das disciplinas, mas a vitória final é para aquele que tudo tolera.

Deve-se remover o rancor quando se está sentindo rancoroso; deve-se afastar a tristeza enquanto se está no meio da tristeza. Deve-se remover a cobiça enquanto se está nela infiltrado. Para se viver uma vida pura e altruística, não se deve considerar nada como seu, no meio da abundância.

Ser de boa saúde é um grande privilégio. Estar contente com o que se tem vale mais do que a posse de uma grande riqueza. Ser considerado como de confiança é a maior demonstração de afeto. Alcançar a Iluminação é a maior felicidade.

Estaremos libertos do medo quando alimentarmos o sentimento de desprezo pelo mal, quando nos sentirmos tranquilos, quando sentirmos prazer em ouvir bons ensinamentos e quando, tendo estes sentimentos, nós os apreciarmos.

Não se apeguem às coisas de que gostam nem tenham aversão às coisas de que desgostam, pois a tristeza, o medo e a servidão surgem do gostar ou desgostar.

5. A ferrugem corrói o ferro e o destrói, assim como o mal corrói a mente de um homem, destruindo-o.

Uma escritura que não é lida com sinceridade, logo estará coberta de poeira; uma casa que não é reformada, quando necessita de reparos, torna-se imunda e assim, um homem indolente logo se torna corrupto.

Os atos impuros corrompem uma mulher pois a mesquinhez macula a caridade. Os maus atos poluem não só esta vida, mas também as vidas seguintes.

Mas a mácula que deve ser temida é a mácula da ignorância. Um homem não pode esperar purificar o corpo ou a mente, sem que antes seja removida a ignorância.

É muito fácil mergulhar na imprudência, ser atrevido e impertinente como um corvo, magoar os outros sem sentir nenhum remorso pela ação cometida.

Contudo, é muito difícil sentir-se humilde, saber respeitar e honrar, livrar-se de todos os apegos, manter o pensamento puro e tornar-se sábio.

É fácil apontar os erros alheio, mas é difícil admitir os próprios erros. Um homem divulga os erros dos outros sem pensar, entretanto, oculta os seus próprios erros, como um jogador esconde falsos dados.

O céu não guarda vestígio do pássaro, da fumaça ou da tempestade, tal como um mau ensinamento não conduz à Iluminação. Nada neste mundo é estável, mas a mente iluminada é imperturbável.

6. Assim como um cavaleiro guarda o portão de seu castelo, devemos proteger a mente dos perigos externos e internos e não se deve negligenciá-la nem por um momento sequer.

Cada um é o senhor de si mesmo, deve depender de si próprio, devendo, portanto, controlar-se a si próprio.

O primeiro passo para se livrar dos vínculos e grilhões dos desejos mundanos é controlar a própria mente, é cessar as conversas vazias e meditar.

O sol faz brilhante o dia, a lua embeleza a noite, a disciplina aumenta a dignidade de um soldado e a tranquila meditação distingue aquele que busca a Iluminação.

Aquele que é incapaz de vigiar seus cinco sentidos – olhos, ouvidos, nariz, língua e o corpo – e fica tentado por seu ambiente, não é aquele que se prepara para a Iluminação. Aquele que vigia firmemente as portas de seus cinco sentidos e conserva a mente sob controle, este sim, é aquele que pode alcançar êxito na busca da Iluminação.

7. Aquele que se influência pelo gostar e desgostar não pode compreender corretamente o seu ambiente e tende a ser por ele vencido. Aquele que está livre de todo o apego compreende corretamente o seu ambiente e, para ele, tudo se torna novidade e significativo.

A felicidade segue a tristeza, a tristeza segue a felicidade, mas quando alguém não mais discrimina a felicidade da tristeza, a boa ação da má ação, então poderá compreender o que é a liberdade.

O aborrecer-se com antecipação ou alimentar tristezas pelo passado apenas consomem a pessoa, são como o junco que fenece ao ser cortado.

O segredo da saúde da mente e do corpo está em não lamentar o passado, em não se afligir com o futuro e em não antecipar preocupações, mas está no viver sábia e seriamente o presente momento.

Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente.

Vale a pena cumprir bem e sem erros o dever diário. Não procure evitá-lo ou adia-lo para amanhã. Fazendo logo o que hoje deve ser feito, poderá viver um bom dia.

A sabedoria é o melhor guia e a fé, a melhor companheira. Deve-se, pois, fugir das trevas da ignorância e do sofrimento, deve-se procurar a luz da Iluminação.

Se um homem tiver o corpo e a mente sob controle, ele dará evidências disso com suas boas ações. Este é um sagrado dever. A fé será a sua riqueza, a sinceridade dará um doce sabor à sua vida e acumular virtudes será a sua sagrada tarefa.

Na jornada da vida, a fé é o alimento, as ações virtuosas são o abrigo, a sabedoria é a luz do dia e a correta atenção é a proteção da noite. Se um homem tiver uma vida pura, nada poderá destruí-lo e, se tiver dominado a cobiça, nada poderá limitar sua liberdade.

Deve-se esquecer de si próprio pela família; deve-se esquecer da família por sua aldeia; deve-se esquecer da própria aldeia pela nação; e deve-se esquecer de tudo em prol da Iluminação.

Tudo é mutável, tudo aparece e desaparece. Só poderá haver a bem-aventurada paz quando se puder escapar da agonia da vida e da morte."

(A Doutrina de Buda -  Bukkyo Dendo Kyokai (Fundação para propagação do Budismo), 3ª edição revista, 1982 - p. 186/191)
Imagem: Pinterest. 

terça-feira, 10 de maio de 2022

EXPERIÊNCIAS

"À medida que continua a praticar, você pode ter toda sorte de experiências, tanto boas quanto más. Tal como um quarto com muitas portas e janelas permite que o ar entre de muitas direções, do mesmo modo é natural que todas as formas de experiências entrem na sua mente quando ela permanece aberta. Você pode experimentar estados de felicidade, claridade, ou ausência de pensamentos. De certo modo, essas são experiências muito boas e sinais de progresso na meditação. Porque quanto experimenta felicidade, é sinal de que o desejo foi temporariamente dissolvido. Quando experimenta a real claridade, é sinal de que a agressividade temporariamente cessou. Quanto experimenta um estado em que há ausência de pensamentos, é sinal de que sua ignorância morreu temporariamente. São, em si mesmas, boas experiências, mas se você se prende a elas já se transformam em obstáculos. As experiências não são elas próprias realização; mas, se ficamos livres de apego por elas, tornam-se o que realmente são, isto é, material para a realização. 

As experiências negativas são comumente as mais enganadoras porque em geral nós a tomamos como mau sinal. Mas as experiências negativas em nossa prática são bênçãos disfarçadas. Tente não reagir a elas com aversão, como normalmente faz na vida, mas ao invés disso reconheça-as pelo que de fato são: meras experiências, ilusórias e iguais ao sonho. A compreensão da verdadeira natureza das experiências libera você do mal e do perigo da experiência em si, e como resultado até uma experiência negativa pode tornar-se fonte de grande bênção e realização. Há inúmeras histórias de como os mestres trabalharam com experiências negativas e as transformaram em catalizadores da realização.

Diz-se tradicionalmente que para um verdadeiro praticante não é a experiência negativa, mas a boa experiência que oferece obstáculos. Quando as coisas vão indo bem, você deve ficar especialmente atento e cauteloso para não se tornar complacente ou por demais confiante. Lembre-se do que Dudjom Rinpoche me disse quando eu estava envolvido numa experiência muito poderosa: 'Não fique tão excitado. Afinal, isso não é nem bom nem mau'. Ele percebeu que eu estava me apegando à experiência: aquele apego, como qualquer outro, precisava ser cortado. O que devemos aprender, na meditação como na vida, é ser livres do apego às experiências boas e livres da aversão às experiências negativas. 

Dudjom Rinpoce nos alerta para outra armadilha:

Por outro lado, na prática da meditação você pode experimentar um estado semiconsciente, turvo e impreciso, como se tivesse um capuz na cabeça: embotamento sonolento e oniróide. Isso não é nada mais que uma espécie de estagnação obscura e estúpida. Como sair desse estado: Desperte-se, mantenha-se ereto, expire o ar viciado para fora dos seus pulmões e dirija sua tenção para o espaço claro, para refrescar a sua mente. Se continuar nesse estado de estagnação, não evoluirá; assim, cada vez que esse contratempo aparecer, remova-o. Muitas e muitas vezes. É importante estar o mais alerta possível e permanecer tão vigilante quanto puder. 

Não importa o método que use, deixe-o de lado, ou apenas deixe que se dissolva em si mesmo, quando achar que chegou naturalmente a um estado de paz atenta, expansiva e vibrante. Continue aí, então, sem se distrair e sem usar necessariamente qualquer método específico. O método já atingiu seu propósito. No entanto, se você perdeu o fio da meada ou se distraiu, retorne à técnica que lhe pareça mais apropriada para trazê-lo de volta.

A verdadeira glória da meditação reside não num método qualquer, mas na sua experiência viva e contínua do presente, na sua bem-aventurança, claridade, paz e, mais importante que tudo, na completa ausência de apego. A diminuição do apego em você é um sinal de que está se tornando mais livre de si mesmo. E quanto mais experimenta essa liberdade, mais claro é o sinal de que o ego, as esperanças e os temores que o mantêm vivo estão se dissolvendo, e mais próximo você estará da generosa 'sabedoria da ausência de ego'. Quando você vive nesse estado, não sentirá mais a barreira entre 'eu' e 'você', 'esse' e 'aquele', 'dentro' e 'fora'. Você terá chegado finalmente ao seu verdadeiro lar, ao estado de não-dualidade." 

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Palas Athena, São Paulo, 2000 - p. 108/110)
Imagem: Pinterest.


quinta-feira, 5 de maio de 2022

PENSAMENTOS E EMOÇÕES: AS ONDAS E O OCEANO (PARTE FINAL)

"(...) Queremos sempre saber o que fazer com a negatividade e com certas emoções perturbadoras. Na amplitude da meditação, você pode observar seus pensamentos e emoções com um atitude sem nenhum viés. Quando a sua atitude muda, muda junto toda a atmosfera de sua mente e muda até mesmo a própria natureza de seus pensamentos e emoções. Quando você se torna mais agradável, eles também se tornam; se não tem dificuldades com eles, eles não terão dificuldades com você também. 

Assim, não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe esse pensamento surgir e assentar, sem interferência. Não se apegue a ele, não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano olhando para suas próprias ondas ou o céu que do alto observa as nuvens que passam por ele.

Muito cedo descobrirá que os pensamentos são como o vento; eles vêm e vão. O segredo não é 'pensar' sobre os pensamentos, mas deixar que eles fluam através da mente enquanto você a mantém livre de pensamentos supervenientes. 

Na mente ordinária percebemos a corrente de pensamentos como se fosse contínua; mas não é bem isso o que acontece. Você descobrirá por si mesmo que há um intervalo entre cada pensamento. Quando o pensamento passado já passou e o futuro pensamento ainda não chegou, você encontrará sempre uma brecha na qual Rigpa, a natureza da mente, se revela. O trabalho de meditação, assim, consiste em tornar mais lentos os pensamentos; a fim de tornar aquele intervalo mais e mais evidente.

Meu mestre teve um estudante chamado Apa Pant, um destacado diplomata e autor indiano que serviu como embaixador da Índia em várias capitais ao redor do mundo. Ele foi até representante do governo da Índia no Tibete, em Lhasa, e noutro momento no Sikkim. Era praticante de meditação e de ioga, e cada vez que via meu mestre perguntava-lhe 'como meditar'. Seguia uma tradição oriental em que o estudante continua interrogando o mestre com uma pergunta simples e básica, repetidamente.

Apa Pant me contou essa história. Um dia nosso mestre Jamyang Khyentse estava observando uma 'Dança do Lama' em frente do palácio-templo em Gangtok, capital do Sikki, e ria-se das cabriolas do atsara. o palhaço que representa divertimentos leves entre as danças. Apa Pant continuava assediando nosso mestre, e desta vez, quando este respondeu, deixou claro que seria a resposta final e definitiva: 'Veja, é isso aqui quando o pensamento passado acaba e o futuro ainda não começou, não há um intervalo?'

- 'Sim', disse Apa Pant.
-Pois é, prolongue-o: isso é meditação.'"  

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Palas Athena, São Paulo, 2000 - p. 107/108)
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terça-feira, 18 de janeiro de 2022

ALTRUÍSMO LIVRE DE APEGO

"Porém, até que esse nível de percepção seja atingido, cada momento de sua vida surge da dependência de outro. Você usa roupas e se senta em cadeiras feitas por outras pessoas. Come alimentos cultivados e cozidos por outras pessoas. Por mais que queira acreditar que alcançou realizações com seus próprios esforços, você está unido a todos os outros seres. 

Essa percepção de nossa interdependência leva diretamente a um senso de responsabilidade e à necessidade de abrir mão do desejo de aquisição. Até que tenhamos atingidos o verdadeiro altruísmo, livre da ignorância, podemos começar devolvendo aquilo que recebemos para beneficiar os outros da melhor maneira possível.

Podemos chamar isso de compaixão, amor, cuidado. O significado é o mesmo: em suas ações, palavras e pensamentos, você considera os outros antes de você mesmo. Alguns de nós praticamos a meditação para alcançar essa compreensão; outros são capazes de entender isso por si sós. Mas não importa falar a respeito da compaixão - o importante é praticá-la.

Você precisa de sabedoria para se olhar internamente e ver que tipo de pessoa você é. Compaixão significa abrir mão da autoidentidade, parar de tentar provar sua identidade o tempo todo. Significa que você trabalha da maneira como o vento trabalha, como o sol trabalha, como o ar trabalha. O ar assume a forma de um aposento. Ele não diz 'vou lhe dar este espaço para respirar, desde que você respire da maneira que eu quero'. o mesmo se dá com o sol; ele não para de brilhar quando há nuvens no céu.

Dessa maneira, o altruísmo livre do apego - a compaixão usada com sabedoria - significa ir além do modo como você quer fazer as coisas. Se você consegue abrir mão de se tornar a pessoa mais importante do mundo, haverá mais capacidade e mais espaço dentro de você para trabalhar com os outros. Você descobrirá mais espaço, tempo e energia dentro de si. Imagine, por exemplo, que você consiga trabalhar como voluntário num hospital, mas descubra que há restrições e que você não pode fazer as coisas da maneira como quer. Você luta contra o sistema, fica exausto e conclui que sua compaixão não está sendo usada da melhor maneira. Mas o que precisa ser compreendido, ao aplicar a sabedoria à sua compaixão, é o quanto de solidez você está trazendo para a situação. Ao insistir em como as coisas deveriam ser, você cria uma frustração que prejudica a criatividade que poderia aplicar à situação.

Quando queremos gerar compaixão, terminamos trabalhando com nossas próprias emoções. Descobrimos que uma situação nos oprime na mesma medida em que nós a solidificamos. Portanto, sem sabedoria, a compaixão não atuará. A sabedoria é o que nos permite ser imparciais em nossas ações. Com sabedoria, não estamos limitados a uma causa ou propósito; fazemos o melhor que podemos numa determinada situação e seguimos em frente. 

Sem sabedoria, frequentemente focamos um único problema ou questão que pensamos ser mais importante. Mas vivemos num mundo que é habitado por seres humanos, e enquanto houver bilhões de humanos não haverá uma única coisa que todos aceitem. Muitas coisas não são feitas da maneira como você gostaria. 

Diferentes filosofias surgiram da compaixão - Cristianismo, Budismo, Islamismo, Hinduísmo. Mas eu acredito que esta é a correta, você acredita que aquela é correta, e uma terceira pessoa acredita em outra. Mesmo um conceito tão universal quanto a compaixão, os budistas chamam de bodhicitta, os hindus chamam de karuna, os cristãos chamam de amor. Nós nos aferramos a nossos próprios termos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 10)
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

COMPAIXÃO PARA UMA VIDA MELHOR

"Nós fazemos o melhor possível para viver num mundo baseado em gentileza e compaixão. No entanto, às vezes, o que eu pessoalmente gostaria torna-se mais importante do que aquilo que é bom para a comunidade.

Na religião, na filosofia, na ciência ou na política, onde quer que haja uma sociedade humana, ela manifesta sabedoria e compaixão. Porém, devido à nossa tendência ao egoísmo, a valorizar nossos gostos e aversões, nós nos isolamos dos outros. Não permitimos que a abertura entre seres humanos se expresse por causa de duas coisas fundamentais: esperança e medo. Todos nós queremos a felicidade e ninguém deseja sofrer. Assim, cada ação é motivada pela esperança de ser feliz e de evitar a dor; desenvolvemos uma atitude muito egoísta. 

Todas as filosofias e religiões do mundo almejam pôr abaixo a muralha do autoisolamento, para que possamos trabalhar uns com os outros com verdadeiro cuidado e compaixão. Do ponto de vista budista, examinamos a nós mesmos cuidadosamente - não para nos culpar por criar divisão, mas como um modo de trabalhar a principal causa do problema. 

O problema não está no mundo, ou nos outros, mas em nós. A sabedoria é inata em nós, mas nosso envolvimento com o ambiente e a distração de nossas emoções causa um obscurecimento que impede a auto-observação. Não nos damos tempo e espaço suficientes para usar nossa sabedoria e nos observamos antes de agir. 

No entanto, por meio da meditação ou da autoanálise, a sabedoria pode surgir no nosso interior. Meditação é um processo de olhar para dentro, de refrear a tendência dualista de prestar mais atenção às questões externas do que às internas, com as quais não queremos lidar.

Uma sociedade baseada na paz, na harmonia, na sabedoria e na compaixão não vai surgir a não ser que cada pessoa comece consigo mesma. Com nosso fracasso em usar a sabedoria inata, damos desculpas para não começar com nós mesmos. A maior desculpa é que precisamos que a outra pessoa mude primeiro. Se as coisas não acontecem de maneira como eu quero, a culpa é do outro. 

As percepções do mundo externo têm muito a ver com nossa atitude interior. A mente cria desculpas que refletem o que sentimos. Quando vemos uma pessoa e ela faz algo de que gostamos, então ela é uma boa pessoa. Mas se a mesma pessoa faz algo de que não gostamos, ela é uma pessoa ruim. Portanto, a transformação do mundo externo deve começar com a transformação interior. Somente quando o eu é subjugado, e quando uma boa percepção surge, é que temos força para nos relacionar da maneira apropriada com os outros.

O coração é basicamente bom, generoso e compassivo, mas não necessariamente atua com sabedoria. Temos muitas pessoas prontas para agir em prol de um mundo melhor, mas que ainda veem a filosofia, a religião e a política segundo o que elas gostam e querem. 

A realização da sabedoria interior em cada ser humano deve começar com o treinamento do eu. A ignorância não é algo que vem dos outros; ela vem da projeção do eu. Na filosofia budista falamos muito a respeito de ilusão - como a mente cria fenômenos externos que passamos a ver como sólidos e permanentes. Na meditação nós avaliamos a natureza onírica dos fenômenos externos. O primeiro passo é entender como surge a ilusão - como a mente atua para criar e solidificar o mundo. Se pudermos abrir mão de apego à ilusão, estaremos livres da dor, das expectativas, das esperanças e dos medos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 9)
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

A MORTE DO MEDO

"Do que sentimos medo? É mesmo medo o que sentem os animais quando ameaçados? Ou é uma reação pós-ansiedade, receio do desconhecido ou reação a algum trauma? Existem muitas formas de manifestar o medo; poderíamos citar uma dezenas delas. A ignorância gera medo, assim como as histórias que acabaram em infortúnio. Mas uma coisa é certa: em todos os casos de medo, enquanto eles existem, decerto nada ainda ocorreu. 

A morte é um dos grandes motivos por trás do medo, como também o nosso futuro instável. Há o medo do sofrimento, da dor física, do descaso - e o medo de ser esquecido, que é uma consequência da morte. Não queremos ser esquecidos, pois quem é esquecido morre para a existência. Algumas etnias indígenas, como a dos índios xavante, evitam falar sobre quem morreu, queimam todos os bens de quem se vai, raspam a cabeça em luto e prosseguem com a vida. O legado não fica no nome, mas na continuidade pelos herdeiros, a tradição, a alma, ou o verdadeiro eu, que se transforma em um antepassado, um espírito conselheiro que se manifesta pelas forças da natureza e pelos sonhos.

Na maioria das culturas existe algum tipo de pós-vida, uma morada espiritual, paraíso, totalidade, umbral, inferno, xeol, tártaro, trevas ou castigo. Existe algum tipo de julgamento da alma ou uma consequência dos atos em vida. Mesmo entre os ateus há a crença na dissolução completa da consciência, ou seja, alguma coisa se extingue. Chamemos ou não de alma, o ser corpóreo é veículo de uma inexplicável existência consciente. As religiões, em grande parte, realizam cultos para os mortos, os antepassados, cultos sobre a transição da consciência e reverências à memória, que é uma forma de identificar a personalidade de quem partiu.

O apego a quem amamos gera sofrimento, pela dor da partida ou pelo nosso próprio ego, que não quer sofrer com a ausência. Temos medo do que virá, e, por isso, permanecemos em um sofrer alimentado pela memória e pelo inconformismo, e nos esforçamos para continuar com a verdade inevitável. Não somos educados para morrer ou conhecer a finitude, nem para lidar com o nosso próprio fim. Por isso também os sábios, os santos e as religiões nos falam da importância da alma, ou de quem realmente somos. Não somos um corpo tendo uma vida espiritual; somos um espírito tendo uma vida material - essa máxima pode mudar todo o entendimento, as possibilidades e a perspectiva da vida. 

É imprescindível buscar o significado da vida em face da consciência, das possibilidade de compreender a morte não mais como o fim, mas como uma mudança de paradigma. Os estudos sobre a consciência argumentam que a morte é apenas uma mudança de realidade eletromagnética. Pessoas que tiveram experiências de morte clínica e retornaram relatam fatos semelhantes: encontro com consciências luminosas, personalidades divinas que os questionam sobre o significado de suas vidas. Como consequência, essas pessoas mudaram completamente sua vida, procurando dar um significado mais elevado a suas relações, transformando suas perspectivas e dando fim ao medo.

De certa forma, muitos de nós já vivem no esquecimento, perdendo-se na autocomiseração, ignorando o verdadeiro eu, que não é nosso ego ou a imagem com a qual nos identificamos. Poderia-se até dizer que existe uma forma de morte em vida. Tememos coisas que são transitórias: o que temos, o que poderíamos ter ou o que podemos vir a perder. Em todas as situações, o universo de possibilidade que criamos está em nossa mente, e é em nossa mente que tudo acontece (e talvez parte do que ocorre após a existência material). (...)

A morte do medo em face da vida acontece quando o altruísmo, a benevolência e a preocupação com o próximo se evidenciam como prática contínua de nosso despertar. É claro que outros tipos de medo, como aquele que nos protege quando estamos em perigo, ou o que nos previne contra acidentes, são mais uma forma de bom senso, um tipo de firewall em nosso programa humano. Um despertar da ignorância sobre a jornada da vida, por meio da aceitação pacífica e não passiva de nossas experiências, pode realmente ser uma experiência transcendental e luminosa. Não deixaríamos todos os medos de lado ainda que fôssemos iluminados, mas o produto de nossas ações já não seria a finitude do ser, e sim o despertar do eu. 

Como mostra o Budismo, a morte é uma consequência natural que faz parte das possibilidades de libertação da consciência, o fim dos ciclos de encarnação, que requer de nós, em vida, o despertar, o entendimento, a prática das virtudes que nos liberam do apego e do sofrimento. A bondade é o manto que encobre a mente com a insensatez dos que entram no fogo para salvar a vida de um simples animal e que saem sem sequer uma queimadura, pois não é a razão que está no comando, mas a alma, governando a vontade; 'e, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?' (1 Coríntios 15:54,55.)

O destemor requer de nós a vontade e a atitude de enxergar o lado de dentro antes do lado de fora, de atravessar o rio ou a rua, de falar sem receio de não ser aceito. Esse receio gera desconforto emocional, o que acontece entre os jovens dos dias de hoje, que se abrigam entre os que se sentem da mesma forma, com movimentos que neutralizam a alma com rótulos, ao invés de libertá-la. Em grande parte das vezes, vencer o medo não tem muito a ver com o entusiasmo ou coragem, mas com vencer a si mesmo. 

'E disse ao homem: eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência.' (Jó 28:28.) É preciso entendimento e sabedoria; nem todo medo ou temor representa pânico, mas uma forma de respeito ou reverência, como neste trecho de poema: 'Eu respeito aquilo que temo; a grande montanha, o mar e a morte, a vida, o silêncio de Deus e minha verdadeira face longe do espelho e do jogo da sorte.'"

(Maurício de Andrade - A morte do medo - Revista Sophia, Ano 14, nº 63 - p. 8/11)


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

CORPO E ALMA

"A história mostra que crenças ou ensinamentos mal compreendidos nos levaram a entender que somos um corpo e que o corpo tem uma Alma. Entretanto, várias tradições espirituais nos mostram que, de fato, somos uma Alma e que o corpo é seu veículo de atuação.

Além do plano físico, existem outros mundos menos densos onde a Alma atua e também se desenvolve. Mas a encarnação física é fundamental no processo evolutivo.

O apego ao corpo nos levou e nos leva a um sofrimento indizível quando chega a hora de nos separarmos dele, pois achamos que é o fim de tudo. O corpo se desintegra, seus elementos são reaproveitados pela natureza e nós continuamos nossa jornada noutro 'lugar', em outro estado de consciência. Nessa outra dimensão a consciência é expandida, e tempo e espaço são diferentes daqueles que conhecemos aqui. Quem já experimentou a sensação de quase morte diz que naquele momento passa uma espécie de filme na mente, em um breve instante, quando a pessoa revê todas as cenas de sua vida. Há então uma surpreendente compreensão de certo e errado e que tudo fica realmente registrado no HD da natureza.

Outro ensinamento que causou grandes danos à boa parte da humanidade foi o do céu e do inferno eternos. Essa crença vem sendo gradativamente revista e ampliada para algo mais compatível e coerente com a bondade divina. 

A teoria dos ciclos e o retorno periódico à manifestação, regulamentados pela lei do karma (causa e efeito), vêm se constituindo num grande lenitivo para aqueles que acreditavam que a morte é o fim.

A busca da verdade exige liberdade de pensamentos e fé nos caminhos apontados pelo coração. Confie e procure respostas para as dúvidas que sua Alma lhe apresenta. Você tem o direito de saber.

Você pode buscar.

Vamos!"

(Fernando Mansur - O Catador de Histórias - Editora Teosófica, Brasília, 2018 - p. 60)


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O MEDO DA ENTREGA (1ª PARTE)

"Além da insegurança criada pelo ego, outra importante razão para não nos entregarmos a Deus é o temor doentio de que talvez Deus não saiba realmente o que precisamos para ser feliz. Esse temor é um corolário de nosso apego à vida deste mundo, na forma de uma racionalização para justificar nossa insistência em fazer o que nossa personalidade quer. Temos uma série de desejos e anseios, na maior parte fantasias de gratificação dos sentidos e também de nos tornarmos importantes e poderosos, incitando a admiração e respeito das pessoas (o sonho do ego). Portanto, ainda estamos presos a este mundo. Por essa razão, nossa mente nos diz (corretamente) que uma possível entrega a Deus nos levará pra longe dos devaneios do ego.

O que significa na prática, nos entregarmos à vontade de Deus? Talvez seja mais proveitoso começarmos perguntando quem se entrega a quem? Essa questão vem recebendo a atenção dos sábios da humanidade desde tempos imemoriais: quem sou eu? Vivemos numa identificação errônea com o corpo e o ego. Num sentido prático, somos dois seres em um: por um lado nosso Ser verdadeiro e eterno, que é divino, é Cristo em nós e, por outro, o nosso ser impermanente e ilusório que é o ego que se identifica com o corpo. Falando sobre a natureza humana, Paulo afirmou em coríntios: Se há um corpo psíquico, há também um corpo espiritual'. Paulo também disse: 'Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?' Por muitos milhares, na verdade, milhões de anos nos identificamos com aquele ser que percebemos com nossos sentidos, o corpo governado pelo ego. 

O processo de entrega é a renúncia a este mundo, em que vivemos para a gratificação dos sentidos e do ego, para nos identificar com o Cristo interior e viver de acordo com a Vontade do Pai Celestial. Mas, qual é a vontade de Deus para conosco? Como somente os verdadeiros devotos têm total certeza sobre a beneficência da vontade de Deus para conosco, temos a tendência a criar fantasias sobre o que pode ser a vontade de Deus dependendo da imagem que temos Dele. 

Nesse ponto, será útil uma definição. Usamos várias vezes o termo 'devoto'. O que significa ser um devoto? É ser inteiramente devotado ou dedicado a um projeto, a uma causa, a uma missão ou a uma figura religiosa. Ele pode ser um místico, um herói nacional, um grande empresário, um verdadeiro artista ou um atleta olímpico. Eles sacrificam tudo por seu ideal. Num sentido, eles são verdadeiros obcecados. Para termos uma ideia da extensão desta 'devoção', o grande campeão de natação, Michael Phelps,  queimava 12.000 kcal/dia²⁹ em seus exercícios, só tirava um dia de folga por ano e treinava cerca de cinco horas por dia na piscina, além dos exercícios de musculação e o estudo dos mínimos detalhes de seu desempenho em vídeos. Portanto, os devotos vivem de acordo com as duas máximas ensinadas por Jesus: 'Ninguém pode servir a dois senhores' e 'Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração'.

A questão da dedicação na vida espiritual é tão importante que um Mestre instruindo um aspirante ao discipulado afirmou:

'Como você sabe, existem certas palavras em nosso vocabulário mais oculto que têm graus de significado em geral de acordo com a pessoa que usa essas palavras e, mais especificamente, a quem são aplicadas. A palavra 'dedicado' é um exemplo. Em seu significado pleno, para todos nós, ser dedicado a um ideal, a realização de uma meta e a seguir um modo de vida apropriado, significa aceitação total e exclusiva do objetivo e de trabalhar e viver para ele; nada mais tem realmente qualquer importância, em comparação. Caso um assunto associado esteja envolvido, então seu significado e o fato de ser desejável ou não seriam imediatamente julgados de acordo com o ideal e, reitero, exclusivamente. Tal, no significado mais elevado da palavra, é dedicação. Porém, as pessoas podem ser dedicadas em vários graus, não é verdade? Ou, o cumprimento que dão ao ideal pode ser somente parcial, hesitante ou algo nesse sentido. Elas também podem ser consideradas como, num sentido menor da palavra, dedicadas e assim respeitadas  por fazerem o melhor que podem, considerando sua evolução, posição espiritual, karma e outros interesses.'³⁰" ...continua

²⁹ Kcal/d é abreviação para quilocaloria por dia. Caloria é uma unidade de medição de energia. A caloria é geralmente usada para definir o valor energético dos alimentos. Os cientistas sugerem que a necessidade energética do ser humano depende do sexo, altura e intensidade de atividade. Por exemplo, um homem com 1,80m, pouco ativo, precisa de 2350 kcal/d, se for ativo de 2900 kcal/d e muito ativo de 3500 kcal/d. 
³⁰ Luz do Santuário - O diário Oculto, op. cit., p. 346.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 111/113)


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A ENTREGA A DEUS (1ª PARTE)

"A pessoa madura é consciente de que deve assumir a responsabilidade por construir a sua vida, sem sonhar e esperar que seus problemas sejam resolvidos por uma fonte externa. No entanto, um dos pilares da vida espiritual é a entrega a Deus. Será que estamos diante de mais um paradoxo da vida oculta? Esse não é o caso. As duas proposições são verdadeiras concomitantemente, pois Deus não é uma fonte externa, mas sim o âmago de nossa natureza interior. Na verdade somos uma expressão de Cristo, somos o Filho de Deus, mas a maior parte da humanidade ainda não tem consciência desta verdade profunda e eterna. 

Nosso progresso na Senda espiritual torna-se acelerado quando fazemos uma sincera entrega a Deus ou, como alguns estudiosos preferem dizer, uma entrega à nossa natureza divina. Com isso transferimos o centro de decisões de nossa vida, do ego, com suas limitações de todos os tipos, para nossa natureza superior, com seu amor, sabedoria e total comprometimento com nossa felicidade última. Com isso estaremos desativando o atual agente controlador de nossa vida, que não busca o nosso verdadeiro interesse, e entregando o controle para nosso Pai/Mãe Celestial, cujo propósito é a nossa libertação do sofrimento e Iluminação, ou seja, o nosso 'passaporte' para que, como filhos pródigos que somos, possamos retornar par a Casa do Pai.

Quando realmente nos entregamos a Deus sentimos que não estamos mais sozinhos. Passamos a ter acesso a toda a sabedoria e poder que SERÃO NECESSÁRIOS para superarmos as dificuldades e os desafios que todo aspirante enfrenta no caminho que leva à Verdade que nos liberta. Vista sob outro ângulo, a entrega a Deus acelera nosso progresso na Senda, justamente porque o objetivo da vida espiritual é alcançar a consciência da unidade com Deus. 

Sabemos, por experiência própria, que tudo conspira contra as mudanças necessárias na vida espiritual. As tentações vivem nos fazendo tropeçar. Os apegos dificultam nosso progresso. O ego usa de mil artimanhas para garantir a manutenção do status-quo, sendo uma das mais importantes, no mundo cristão, a crença errônea de que somos 'vis pecadores'. Essas dificuldades afetam buscadores novatos e avançados indistintamente, como indica a famosa passagem do Apóstolo Paulo:

'Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance; não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado (o ego) que habita em mim'.

Esse impasse também foi aludido por Jesus no Sermão da Montanha quando ele declarou: 'Ninguém pode servir a dois Senhores'. Temos que decidir se queremos tomar o caminho que nos levará às alturas espirituais ou permanecer nos vales sombrios deste mundo de ilusões, sofrendo sob o jugo do ego. Neste caso permaneceremos sujeitos às inesperadas virados do destino com suas amargas surpresas e desilusões. Nossas experiências são equiparadas a sonhos. Esses sonhos são de nossa criação. Como eles são a nossa percepção errônea da realidade, podemos mudá-los a qualquer momento. Temos o poder de criar o inferno e o poder de criar o céu. Por que não usar a nossa mente, nossa imaginação, nossas emoções e nossa determinação para criar o céu? Com isso passamos a perceber a paz, o amor e a alegria à nossa volta em tudo e em todos.(...)" ...continua.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 99/101)


terça-feira, 21 de setembro de 2021

UMA CURA PARA O PLANETA

"Segundo a tradição budista, o universo se manifesta por meio da força kármica coletiva e individual de todos os seres sencientes. A força kármica favorável gera formas que estão em sintonia com o processo vital, e o universo vivo cria um universo não vivo em sintonia com ele. Essa força positiva tem o poder de converter formas que não estejam em sintonia com o universo em formas que estejam sintonizadas. 

Durante o surgimento, o crescimento e a vida madura de um planeta existe coesão entre suas formas vivas e sua própria natureza. Isso é chamado de Era de Ouro, ou Satya Yuga. Mas, após um período de tempo específico, essa força kármica positiva gradualmente retrocede e uma forma kármica negativa ganha força. Isso cria conflitos e contradições entre os seres vivos e não vivos, e faz com que esses seres e o próprio planeta fiquem fora de sintonia com o universo, levando a uma total deterioração e aniquilação. Isso é chamado de Kali Yuga, ou Era de Decadência. 

Hoje em dia, nosso pequeno planeta está sofrendo de falta de coesão, o que resulta em conflitos. Os seres sencientes estão sujeitos a medo e a incontáveis misérias. Isso se deve basicamente à forma kármica coletiva dos seres vivos, que não é fácil de ser corrigida. Porém, não podemos esperar pela transformação dessa força coletiva para resolver nossos problemas. Precisamos de uma abordagem individual para regenerar a nós mesmos e ao mundo. 

'Sair da corrente' é a única solução possível para o mundo atual. Um nadador pode não ser capaz de reverter o fluxo de uma corrente marítima, mas pode ter a liberdade e a habilidade de sair da corrente e nadar em direção à praia. Logo que tiver feito isso, poderá ajudar a socorrer muitos outros. Cada um de nós, individualmente deve cair fora da corrente da civilização moderna e compreender sua responsabilidade universal. Dessa maneira, cada indivíduo pode se sintonizar o o universo.

Gandhi disse que nossos problemas são resultado direto da ganância e do materialismo da civilização moderna. Uma ideia semelhante foi expressa pelo cacique norte-americano Seattle, há mais de 150 anos. Hoje, o mundo se depara com cinco grandes desafios:
  • Aumento incontrolável da população, particularmente nos chamados países do Terceiro mundo.
  • Disparidade econômica crescente entre ricos e pobres.
  • Violência, guerras, terrorismo e o medo de armas de destruição em massa.
  • Degradação ambiental, como aquecimento global, os danos à comada de ozônio, a destruição das florestas e a escassez de água.
  • Intolerância cultural e religiosa; a religião, que deveria ser uma fonte de felicidade, passou a causar conflitos e divisão.
Sabemos desses problemas porque os experienciamos todos os dias. Cada um deles é uma ameaça para a paz, a felicidade e o bem-estar dos seres vivos, e pode terminar com a total aniquilação da Terra. Cada desafio tem facetas diversas e inter-relacionadas. A causa última desses problemas podem ser as forças kármicas negativas, coletivas e individuais, mas a condição imediata que facilita seus efeitos negativos é a civilização moderna, ou, mais acuradamente, a descivilização baseada na ciência e na tecnologia. 

A ciência e a tecnologia modernas beneficiaram uma pequena parcela da humanidade com produção de mercadorias supérfluas, ou seja, sem relação com as reais necessidades das pessoas; e monopólio dessa produção sob a forma de capital, ou do chamado know-how tecnológico.

Esses dois fatores permitem que poucos acumulem riqueza e explorem a natureza e os seres vivos de maneira indiscriminada e constante. Gradualmente os povos se tornaram dependentes. A produção industrializada exige consumidores, e a promoção de mercado é sua consequência lógica. Os fabricantes exploram as emoções negativas da humanidade a seu favor, emoções como o desejo de conforto e a miragem do lazer.

A base para infinita multiplicação de apegos e desejos como esses são a educação e a estrutura social de competição, que desde a infância gera ódio de várias formas. Competir significa, na melhor das hipóteses, ser um adversário de outros competidores, e, na pior, ser inimigo de todos. Nas escolas, os estudantes são estimulados a serem os melhores e a derrotar os restantes. E isso é chamado de 'competição saudável'... Na verdade, competição significa 'vitória do eu sobre os outros'; isso é nada mais que egoísmo e falta de consideração. Na perspectiva budista, a competição é uma coisa imoral, um dos piores comportamentos humanos possíveis.

A exploração do desejo, do apego e do ódio é muito fácil porque estamos sob a influência da ignorância. Aqueles que produzem bens de consumo não apenas exploram nossas emoções negativas, como o desejo e o ódio, mas também nos privam completamente da sabedoria e de discernimento. As pessoas perderam o poder de discernir quais são suas reais necessidades, o que é bom e o que é ruim. Aquilo que supostamente é bom para nós é determinado pelo mercado. Assim, um homem pode facilmente ser levado a acreditar que precisa de doze pares de sapatos e de dezesseis ternos para transitar na sociedade moderna e manter o status social."

(Samdhong Rinpoche - Uma cura para o planeta - Revista Sophia, Ano 13, nº 54 - p. 33/34)


terça-feira, 7 de setembro de 2021

A MORTE E A SOLIDÃO DO SER

"Costumamos considerar 'materialista' quem não acredita em Deus. Contudo, quando procuramos ir fundo na questão 'quem é Deus?', considerando-o como fonte de um universo cujos limites a ciência não consegue nem suspeitar, vemos que qualquer 'crença' a respeito sempre há de ser extremamente enganosa, ao se apoiar no intelecto.

Essas limitações são bem visíveis quando a religião, no Velho Testamento, tenta colocar Deus ao alcance do homem, dando-lhe os defeitos do próprio ser humano. 

A ciência, por sua vez, buscando simplificar as coisas com ideias como a 'acidentalidade' da Criação, tenta negar o que é incompreensível para o intelecto: a existência de um poder por trás da extraordinária inteligência e perfeição de cada coisa criada, seja uma minúscula semente com sua capacidade de gerar determinada espécie vegetal, entre as milhares existentes, seja uma estrela como o nosso Sol, cuja luz e calor fazem aquela semente brotar na Terra a 150 milhões de quilômetros de distância. 

Na perspectiva esotérica, diz-se que Deus é o 'um sem segundo', e toda a manifestação universal é um desdobramento Dele em infinitas faces. Diz-se também que o ser humano é uma pequenina semente de Deus. Assim como a semente de uma árvore a contém potencialmente - produzindo-a um dia - o destino de uma pessoa, ao longo das eras, é se tornar um ser idêntico à sua origem. Por isso, Krishnamurti afirmou: 'Tu és Deus', na pequena joia denominada Aos Pés do Mestre (Ed. Teosófica). Diz-se 'és' - e não 'serás' - porque ser no presente é só um questão de consciência. 

Sentindo-nos pequeninos, como de fato somos, neste corpo dominado por ilusões e apegos, pode parecer muito distante o ensinamento teosófico. Bem mais confortável é imaginar um Criador que vai gerando almas e corpos indefinidamente, que vivem em média setenta anos, e premiando os 'eleitos' com o paraíso eterno (ou inferno eterno, se compararmos a 'agitação' do nosso prazer com o 'não fazer nada' do céu cristão). 

Entre a ideia da Criação com uma promessa de uma eternidade sem sentido e a visão da ocidentalidade materialista, onde a morte é o fim de tudo, qual a melhor? Qual a pior?

Considerando a sabedoria infinita da Criação, algo nos diz que ela não poderia ser desperdiçada nos becos sem saída da ciência sem religião, ou na 'fé cega' da religião sem ciência. Aos que vão além, cedendo aos suaves impulsos de sua consciência intuitiva, os caminhos se abrem e indicam um propósito para tudo, como nos ensina a própria natureza, sempre buscando meios de sobrevivência. 

O anseio por eternidade é algo inerente ao ser humano. Claramente esse anseio não se origina no intelecto, pois a ideia de infinito não cabe nele. O infinito não pode ser medido, e a especialidade do intelecto é pesar e medir, integrando a mente comparativa dos seres humanos. 

O infinito de que suspeitamos mora no espírito, e o espírito é uma centelha de Deus, o 'um sem segundo'. Por essa razão, uma das lições mais árduas para nós é derivada do apego, essa necessidade de autorrealização pela posse das coisas externas, o que nos é repetidamente negado, com a perda de todas essas aquisições na experiência da morte física. 

Assim é que, ao sair deste mundo, vamos sós, sem qualquer lastro material ou afetivo, assim como entramos nele. Voltamos, porém, muitas vezes, para enfim aprender com a morte o que os mestres nos ensinaram em vida: a conquista do eterno só se realiza pela aniquilação do transitório, da dependência de qualquer coisa externa como fonte de felicidade. 

Morta a ideia da posse, morre também seu vínculo, restando apenas a solidão do ser. Não como sentimento de ilusória separatividade, mas de autossuficiência inerente ao eterno, como consciência da vida una, da totalidade do próprio ser."

(Walter Barbosa - A morte e a solidão do ser - Revista Sophia, Ano 19, nº 90 - p. 19)


terça-feira, 15 de junho de 2021

ABANDONAR O APEGO ÀS COISAS INANIMADAS


"O apego a posses materiais e similares é outro obstáculo que devemos abandonar em nossa busca do tranquilo permanecer. Podemos nos opor a essa atitude de aferramento treinando da maneira que se segue. Primeiro, devemos considerar que, [17] se formos apegados à nossa riqueza, fama ou reputação e gerarmos orgulho desses atributos elogiados pelos outros, as delusões de orgulho e de apego vão nos levar a renascer em reinos inferiores, onde sofreremos terríveis medos. [18] Devemos compreender que nossa mente confusa é incapaz de discriminar entre o que é benéfico e o que é prejudicial a si mesma. Por isso, ela corre descontroladamente para os objetos de apego, inconsciente do imenso tormento que, em nome deles, terá de suportar em vidas futuras. [19] Sábia é a pessoa que permanece desapegada de riqueza, fama e coisas do gênero, porque é o nosso aferramento a esses deleites que dá origem a todos os nossos medos.

[20] Outro ponto a considerar é que todas as nossas posses e tudo aquilo pelo qual lutamos nesta vida terão de ser deixados para trás quando chegar o momento de partir sozinhos e compreendendo que não vamos levar nada conosco a não ser as marcas cármicas gravadas em nossa mente, devemos abandonar o apego aos prazeres passageiros desta vida.

Uma consideração final refere-se à nossa atitude ao receber elogio. Não há motivo algum para ficarmos alegres quando as pessoas falam bem de nós ou infelizes quando nos criticam. Por quê? Porque nenhum elogio que recebemos tem poder para elevar ou aumentar nossas boas qualidades e nenhuma censura pode nos fazer cair. Ademais, [21] sempre haverá algumas pessoas que irão nos elogiar e outras que irão nos desprezar. Portanto, que prazer pode haver em ser elogiado e que desprazer pode haver em ser menosprezado?"

(Geshe Kelsang Gyatso - Contemplações Significativas - Ed. Tharpa Brasil, 2009 - p. 308)


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

MORTE

"O nosso nascimento também dá origem aos sofrimentos da morte. Se, durante a nossa vida, tivermos trabalhado arduamente para adquirir posses, e se tivermos nos tornado muito apegados a elas, experienciaremos grande sofrimento na hora da morte, pensando: 'Agora, tenho de deixar todas as minhas preciosas posses para trás'. Mesmo agora, achamos difícil emprestar algum dos nossos mais preciosos bens, quanto mais dá-lo! Não é de surpreender que fiquemos tão infelizes quando nos damos conta de que, nas mãos da morte, temos de abandonar tudo. 

Quando morremos, temos de nos separar até mesmo dos nossos amigos mais próximos.Temos de deixar nosso companheiro ainda que tenhamos estado juntos durante anos, sem passar sequer um dia separados. Se formos muito apegados aos nossos amigos, experienciaremos grande sofrimento na hora da morte, mas tudo o que poderemos fazer será segurar suas mãos. Não seremos capazes de parar o processo da morte, mesmo se eles implorarem para que não morramos. Geralmente, quando somos muito apegados a alguém, sentimos ciúme caso ele (ou ela) nos deixe sozinhos e passe o seu tempo com outra pessoa; mas, quando morrermos, teremos de deixar nossos amigos com os outros para sempre. Teremos de deixar todos, incluindo nossa família e todas as pessoas que nos ajudaram nesta vida. 

Quando morrermos, este corpo que temos apreciado e cuidado de tantas e variadas maneiras terá de ser deixado para trás. Ele irá se tornar insensível como uma pedra e será sepultado sob a terra ou cremado. Se não tivermos a proteção interior da experiência espiritual, na hora da morte experienciaremos medo e angústia, assim como dor física. 

Quando a nossa consciência deixar nosso corpo na hora da morte, todas as potencialidades que acumulamos em nossa mente, por meio das ações virtuosas e não virtuosas que fizemos, irão conosco. Não poderemos levar nada deste mundo além disso. Todas as outras coisas irão nos decepcionar. A morte interrompe todas as nossas atividades – as nossas conversas, a nossa refeição, o nosso encontro com amigos, o nosso sono. Tudo chega ao fim no dia da nossa morte e temos de deixar todas as coisas para trás, até mesmo os anéis em nossos dedos. No Tibete, os mendigos carregam consigo um bastão para se defenderem dos cachorros. Para compreender a completa privação provocada pela morte devemos lembrar de que, na hora da morte, os mendigos têm de deixar até esse velho bastão, a mais insignificante das posses humanas. Ao redor do mundo, podemos ver que os nomes esculpidos em pedra são a única posse dos mortos."

(Geshe Kelsang Gyatso - Budismo Moderno - Ed. Tharpa Brasil, 3ª edição, 2015 - p. 53/54)


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

KARMA⁵

"Imagina comigo que a existência individual é uma corda que está esticada do infinito até o infinito, e não tem nem começo nem fim, nem é possível que se rompa. Esta corda é formada por inúmeros fios finos que, estreitamente unidos, formam a sua espessura. Estes fios são incolores e perfeitamente retos, resistentes e nivelados. Esta corda, ao passar, como tem de passar, por todos os lugares, sofre acidentes estranhos. Frequentemente, um fio fica preso ou é puxado violentamente para longe de seu caminho normal. Então, por muito tempo ele permanece desordenado e desordena o todo. Algumas vezes um deles é manchado com sujeira ou com cor, e a mancha não apenas se espalha para além do ponto de contato, mas descolore outros fios. Lembra-te de que os fios estão vivos - eles são como fios elétricos, ou melhor, como nervos tensos. Como se espalha para longe a mancha tortuosa! Porém, no devido tempo, as longas cordas e os fios vivos, que em sua continuidade ininterrupta formam o indivíduo, emergem das sombras na direção da luz. Então os fios deixam de ser incolores e passam a ser dourados, e mais uma vez eles se nivelam em unidade. Mais uma vez a harmonia é restabelecida entre eles e, com base nesta harmonia interior, a harmonia maior é percebida.

Esta ilustração apresenta uma pequena porção, um único aspecto, da verdade. Ela é menos do que um fragmento. No entanto, medita sobre ela e, através da ajuda desta ilustração, tu serás levado a perceber mais. O que importa saber em primeiro lugar não é que o futuro é formado arbitrariamente por atos isolados do presente, mas sim que há uma continuidade indivisível entre todo o futuro e o presente, assim como entre o presente e o passado. Quando percebida a partir de um plano, de um ponto de vista, a ilustração da corda está correta.

Diz-se que um pouco de atenção para o Ocultismo produz resultados kármicos consideráveis. Isto ocorre porque é impossível dar qualquer atenção ao Ocultismo sem fazer uma escolha definida diante do que é comumente chamado de bem e mal. O primeiro passo no Ocultismo leva o estudante à árvore do conhecimento. Ele precisa colher e comer; precisa escolher. Ele não poderá mais ficar indeciso por ignorância. Ele prossegue tomando o caminho do bem ou do mal. E dar definida e conscientemente um passo que seja em qualquer um dos caminhos produz grandes resultados kármicos. O homem comum anda sem rumo, sem certeza da meta a ser atingida; seu padrão de vida é indefinido e, consequentemente, seu karma opera de forma confusa. Mas, uma vez que o umbral do conhecimento é atingido, a confusão começa a se dissipar e, consequentemente, os resulados kármicos aumentam consideravelmente, porque a ação se dá na mesma direção em todos os planos. Pois o ocultista não pode se dedicar pela metade, nem pode voltar atrás uma vez que tenha atravessado o umbral⁶. Essas coisas são tão impossíveis como um homem voltar a ser criança novamente. A individualidade, através do processo de crescimento, alcançou o estado da responsabilidade e não pode recuar deste estado. 

Aquele que quiser escapar dos grilhões do karma deve elevar a sua individualidade das trevas à luz. Ele deve elevar a sua existência de tal maneira que estes fios não possam entrar em contato com substâncias impuras, e que eles não se tornem tão apegados que sejam levados para longe de seu rumo. Ele simplesmente se eleva acima da região onde o karma opera. Ele não abandona por causa disso a existência que está experimentando. O solo pode estar áspero e sujo, ou cheio de flores formosas cujo pólen mancha, e de substâncias doces que encantam e transformam-se em apegos - mas acima há sempre o céu livre. Aquele que deseja não ter karma deve ver o ar como sua casa; e depois dele, o éter. Aquele que deseja criar bom karma encontrará muita confusão e, no esforço de plantar sementes de boa qualidade para a sua própria colheira, pode plantar mil ervas daninhas e, entre elas a gigante.

Não desejes plantar sementes para a tua própria colheita. Deseja apenas plantar a semente do fruto que alimentará o mundo. Tu és parte do mundo. Ao alimentar o mundo tu estarás alimentando a ti mesmo. No entanto, mesmo neste pensamento paira um grande perigo sobre o discípulo que por muito tempo imaginou estar trabalhando para o bem comum enquanto, no fundo de sua alma, ele estava percebendo apenas o mal; isto é, pensando estar fazendo um grande benefício para o mundo, na realidade ele estava conscientemente sempre pensando no karma e no grande benefício que ele estaria produzindo para si. Um homem pode se recusar a pensar em recompensas. Mas na própria recusa pode-se notar o fato de que a recompensa é desejada por ele. E é inútil para o discípulo se esforçar para aprender através da autovigilância. A alma deve estar sem grilhões, os desejos livres. Mas, até que os desejos estejam fixados apenas naquele estado no qual não há nem recompensa nem punição, nem bem nem mal, o seu esforço será em vão. Pode parecer que ele está fazendo um grande progresso, mas um dia ele se verá cara a cara com a sua própria alma, e reconhecerá que quando esteve diante da árvore do conhecimento escolheu a fruta amarga e não a doce, e então a máscara cairá definitivamente, e ele desistirá da liberdade e se tornará um escravo do desejo. Portanto, fica consciente, tu que estás começando a te voltar para a vida do Ocultismo. Aprende agora que não há cura para o desejo, que não há cura para a busca de recompensa, que não há cura para o sofrimento de estar ansioso por algo, a não ser na fixação do olhar e da audição naquilo que é invisível e inaudível. Começa já a praticar. Desta forma mil serpentes deixarão de se apresentar no teu caminho. Vive no eterno. 

As operações das reais leis do karma não podem ser estudadas antes que o discípulo tenha alcançado o ponto no qual elas não o afetam mais. O iniciado tem o direito de exigir os segredos da Natureza e de conhecer as regras que governam a vida humana. Ele obtém este direito por ter saído dos limites da Natureza e por ter se libertado das regras que governam a vida humana. Ele tornou-se uma parte reconhecida do elemento divino e não pode mais ser afetado por aquilo que é temporário. Ele então obtém o conhecimento das leis que governam as condições condições temporais. Portanto, tu que desejas conhecer as leis do karma, tenta antes te libertar destas leis; e isto só pode ser feito fixando a atenção naquilo que não é afetado por estas leis."

⁵. Este ensaio, atribuído ao Mestre Veneziano, já fez parte da 1ª edição da obra, em 1885. (N. ed. bras.). 
⁶. Umbral do Ocultismo ou Senda Espiritual.

(Mabel Collins - Luz no Caminho - Ed. Teosófica, 5ª edição - p. 97/111)


terça-feira, 10 de novembro de 2020

O OBSERVADOR E O OBSERVADO (10ª PARTE)

"25. Com a dissolução da ignorância, desaparece o fenômeno observador-observado, resultando na emergência da percepção pura.

Percepção pura indica ver as coisas como de fato são. Se conhecemos a vida como ela é a qualquer momento, sem nenhuma projeção da mente, então podemos conhecer o segredo do reto relacionamento com esta vida. A percepção pura é o ponto crucial de todo o problema do Yoga. Da reta percepção surge o reto relacionamento, naturalmente e sem esforço. Mas como pode haver reta percepção, enquanto estivermos presos em avidyã? Portanto, a questão é: como podemos sair desta ignorância, uma vez que sem sua dissolução não há perspectiva para o homem de libertar-se da dor e do sofrimento? Há uma maneira pela qual podemos dissolver avidyã? Patañjali diz: 

26. Um percebimento ininterrupto é a única maneira de dissolver avidiã ou ignorância. 

A palavra utilizada neste sutra é aviplavã, significando contínuo. O que precisa ser contínuo? Mais uma vez, a palavra utilizada é viveka-khyãti, aquele percebimento através do qual as coisas são claramente distinguidas. Se este percebimento que destingue claramente as coisas for mantido ininterrupto, ele nos levará à dissolução de avidyã. Patañjali chama isso de hãnopãyah, um instrumento que dispersa as nuvens da ignorância. Pode-se perguntar: do que precismos ser côncios? Deve ser em relação ao fenômeno observador-observado. Isso significa que precisamos estar cônscios de todo o processo de continuidade pelo qual asmitã ou o senso do eu mantém-se ativo. Exige a observação do processo dos apegos e das repulsões, uma vez que constituem o campo onde será visto o abhinivesa da própria asmitã. Em outras palavras, é por meio de rãga e dvesa que o senso do eu busca dar continuidade a si mesmo . Obviamente, não há ignorância maior do que a continuidade de algo que tende a dissolver-se. No senso do eu há uma falsa identidade. A maneira mais correta de dissolvê-la está em observar como esta falsa identidade busca sua continuidade através dos apegos e repulsões. Mas o percebimento deve ser ininterrupto. Quando ele é interrompido? Quando o pensamento entra no campo do percebimento. A entrada do pensamento é deliberada, pois a mente não quer que o processo de percebimento continue de uma maneira ininterrupta. Ela compreende que um percebimento causaria a dissolução da própria entidade que busca dar continuidade. Esta entidade, o senso do eu, é produto da mente. A mente investiu tudo nesta entidade, e se ela for dissolvida, ficaria completamente falida. A fim de que não tenha que enfrentar esta condição nada invejável de falência total, ela deseja que o processo de percebimento seja constantemente interrompido. Mas aquela ignorância pode ser dissolvida apenas através de um percebimento ininterrupto. É possível impedir a mente de interferir no processo de percebimento? Essa é uma questão que faz parte da meditação, e, portanto, sua resposta pode ser encontrada somente após termos conhecido o que é meditação. Neste sutra, Patañjali preocupa-se em mostrar o caminho que conduz à dissolução de avidyã. Ele acrescenta no próximo sutra que: (...)"

(Rohit Mehta - Yoga a arte da integração - Ed. Teosófica, Brasília, 2012 - p. 99/100)
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terça-feira, 29 de setembro de 2020

ATRAÇÃO E REPULSÃO

 "A natureza da matéria é atração e repulsão. A estrutura atômica se mantém pelo equilíbrio dessas duas forças: o positivo e o negativo. Também no espaço infinito os satélites e planetas formam sistemas sob o comando de uma estrela, graças à atração e repulsão. Na vida da natureza esse jogo está presente, significando harmonia. Somente no reino humano o equilíbrio se desfaz. Por quê? Graças ao livre-arbítrio.

Ao mesmo tempo em que a liberdade para agir eleva o homem na escala da natureza - desenvolvendo poderes divinos dentro dele -, pesa-lhe a condição de sofrer enquanto atuar menos racionalmente que seus próprios irmãos menores, os animais. 

O Budismo refere-se ao 'caminho do meio', que é a opção do equilíbrio, a ser alcançada pelo exercício da moderação em tudo que fazemos. Por essa razão, no texto conhecido como Óctupla Senda, Buda menciona uma das principais fontes de dualidade e sofrimento: o desejo, que é movido por atração e repulsão.

Ao entrar em contato com algo que nos desagrada, o que acontece? Buscamos imediatamente o lado contrário, à semelhança do vaivém do pêndulo de um relógio. Esse impulso se alimenta do desejo (corpo emocional) e também da reatividade (corpo mental), funcionando como 'almas gêmeas' dentro de nossa própria alma. Tudo aquilo que repelimos é o oposto que não queremos ver - mas obviamente continua a existir - e segue nossos passos. Temo algo que aprender ali. 

Fruto da mente em estado de excitação, apego e temor, a reatividade não deixa margem à reflexão. Nossa incapacidade de ouvir começa por aí, especialmente se o argumento do outro contraria a 'verdade' que é simplesmente o nosso interesse. Enquanto fingimos prestar atenção ao que o outro diz, estamos arquitetando a resposta. A grande dificuldade experimentada nos relacionamentos - sob o nome de 'incompatibilidade de gênios' - tem nessa característica mental sua principal origem. 

Quanto ao desejo, sua direção obviamente é o prazer. Nosso movimentos são baseados na expectativa do prazer, seja emocional ou mental - o que acontece no corpo físico é somente um reflexo. Por trás do prazer, no entanto, há o fatalismo da dor, assim como as duas faces de uma moeda: uma não existe sem a outra.

Na questão dos vícios que envolvem atos físicos (alcoolismo, tabagismo), o oposto do prazer é visível no corpo, que reage e adoece ao longo do tempo. O reverso do prazer está ali, mas não conseguimos vê-lo. E se por acaso vemos - mantendo o vício -, naturalmente achamos que o sacrifício compensa, não percebendo a real extensão da dor pelo bloqueio na consciência. Dentro do jogo de atração e repulsão, fechamos os olhos ao sofrimento em gestação, escolhendo o prazer fatídico de agora. 

Em outros tipos de vício, ligados ao pensamento e aos sentimentos, a dificuldade de enxergar o oposto ainda é maior. Sendo ações repetitivas fora de nosso controle, os vícios geram automatismos energéticos impostos à nossa maneira de sentir e de pensar, facilitando o retorno daqueles pensamentos e sentimentos com mais força.

O vício, portanto, não é só uma questão física. Pensamentos repetidos de inveja, maledicência, luxúria e mentira são comportamentos viciosos, cujo prazer tem como oposto a angústia, falta de autoconfiança, o vazio interior e outros reflexos da ausência de amor e de comprometimento em nossa vida. Às vezes chamamos isso de 'má sorte', ignorando que a sorte - seja ela qual for - é criação exclusiva de nossa mente, e está em nossas próprias mãos." 

(Walter S. Barbosa - Atração e repulsão - Revista Sophia, Ano 14, nº 59 - p. 9)


quinta-feira, 12 de março de 2020

PAIXÃO SEM CAUSA

Resultado de imagem para flores lindas"No estado de paixão sem causa há a intensidade isenta de qualquer ligação. Quando a paixão tem uma causa, há ligação, e esta é o início do sofrimento. A maioria de nós é ligada, apegada a uma pessoa, um país, uma crença, uma ideia, e quanto o objeto de nossa ligação é levado, ou de algum modo perde sua importância, nos vemos vazios, insuficientes. Tentamos preencher esse vazio nos ligando a outra coisa, que mais uma vez se torna o objeto da nossa paixão.

Examine seu próprio coração e mente. Eu sou apenas um espelho no qual você olha para si mesmo. Se você não quiser olhar, não tem problema. Mas se quiser, então olhe para você mesmo claramente, friamente, com intensidade - não na esperança de dissolver suas infelicidades, suas ansiedades, sua sensação de culpa, mas para entender essa paixão extraordinária que sempre conduz ao sofrimento.

Quando a paixão tem uma causa, ela se torna desejo. Quando há uma paixão por algo - uma pessoa, uma ideia, algum tipo de satisfação -, então dessa paixão surgem contradição, conflito, esforço. Você se esforça para adquirir ou manter um estado determinado ou para recapturar aquele que esteve ali e não está mais. Mas a paixão da qual eu falo não dá origem a contradição e conflito. Ela não está de modo nenhum relacionada com uma causa, por isso não é um efeito."

(Krishnamurti - O Livro da Vida - Ed. Planeta do Brasil, São Paulo, 2016 - p. 143)


quinta-feira, 5 de março de 2020

O PERCEBIMENTO DO PURO ÃTMAN

Resultado de imagem para ÃTMAN"397 - Enquanto um homem está apegado à sua forma cadavérica (corpo físico), ele é impuro devido aos seus inimigos¹⁰⁵ e há o sofrimento associado com o nascimento, morte e doença. É somente quando ele percebe o puro Ãtman, que é bem-aventurança e que é imóvel, que ele se torna livre deles - assim declaram os Vedas

COMENTÁRIO - O percebimento do puro Ãtman é a chave da libertação, do caminho que permite afastarmo-nos de todos os desejos e apegos. Os Vedas, os mais antigos textos sagrados do mundo, afirmam isso. E esta afirmação procede do testemunho dos Rishis, das almas santas, que a tramitiram aos homens, dando esperança aos escravos de um dia sairem da prisão.

¹⁰⁵ Os inimigos são as paixões: luxúria, raiva, ganância, engano, orgulho e crime. 

(Sankara - Viveka-Chudamani e Joia Suprema da Sabedoria - Comentários de Murilo N. de Azevedo - Ed. Teosífica, Brasília, 2011 - p. 150)